23/01/2015

Review - Bom-Crioulo

Título: Bom Crioulo
Autor: Adolfo Caminha
Idioma: Português
Primeira publicação: 1895

Sinopse: Amaro é um escravo foragido que anseia ser dono de seu próprio destino. É aceito como marinheiro, o que lhe permite realizar o seu sonho de liberdade e que, associado ao seu físico muscular, "sem um osso à vista", claramente mais possante que o dos outros marujos, o transforma em alguém voluntarioso e benevolente, de tal forma que recebe a alcunha "Bom Crioulo".
Considerado um dos primeiros livros a tratar a homossexualidade no Brasil.


Primeiro de tudo, vamos nos atentar a dois pequenos fatos: o livro é um clássico da literatura brasileira, tendo sido lançado em MIL OITOCENTOS e 95. Segundo que ele foi editado, reeditado, lançado e relançado diversas e diversas vezes, por editoras diferentes. Figurou a lista de leitura para o vestibular de várias universidades através do país, foi tese de mestrado, doutorado, PHDs e diversos estudos e tal. Portanto, existem versões do mesmo livro circulando por aí que podem ou não conter todos os trechos da trama. Vi que há algumas versões (talvez as mais antigas) em que o texto não é integral justamente por ter sido "podado" pelo conteúdo escandaloso pela época. Eu li o texto integral e vou contar um pouquinho do que é, ou quem é o Bom Crioulo.

Como diz a sinopse, Amaro é aceito na marinha do Brasil depois de mostrar que não fala demais, e tem um bom físico para desempenhar trabalhos que outros marujos não conseguem. Ele sobe na escala de patentes dentro do navio com alguma facilidade, pelo menos até onde um negro e ex-escravo pode chegar a ir, e tem certos "privilégios" que outros não têm pelo simples medo que muitos dos seus nutre a seu respeito. Afinal, Amaro é retraído e é um ser, digamos, grande. Melhor não mexer com quem tá quieto, certo?

No meio da sua empreitada como marinheiro, Amaro, que só é chamado de Bom Crioulo, conhece Aleixo, um belo grumete (aprendiz que faz a limpeza do navio) adolescente louro, de olhos azuis, por quem se apaixona quase que instantaneamente. Amaro deixa de ser o marinheiro submisso e caladão por causa de Aleixo. Envolve-se em brigas para defender o seu amado, embebeda-se, é castigado, mas o que recebe em troca de Aleixo é uma gratidão que ele confunde com amor.

O navio em que os dois servem chega ao Rio de Janeiro para uma reforma. Aos navegantes é permitido que fiquem em terra até serem convocados novamente, então Amaro arranja um quarto para si e para Aleixo na pensão de uma portuguesa, D. Carolina, antiga prostituta que ele tinha salvado de uma tentativa de assalto. A vida com Aleixo é quase conjugal: os dois são o casal que D. Carolina acolhe, e todos sabem aparentemente dessa devoção cega de Amaro por Aleixo, e também da luxúria que consome o crioulo.

A trama se desenvolve entre cenários, no navio e no Rio de Janeiro, passando do ponto de vista do Bom Crioulo ao de Aleixo, e ao de Dona Carolina. As coisas mudam drasticamente quando Amaro é transferido para outro navio, no qual as folgas são limitadas a uma vez por mês, o que dificulta seus encontros com o rapaz.

A escrita de Caminha é cheia de termos técnicos - como não poderia deixar de ser, já que o mesmo pertencia à Marinha de Guerra. O livro é praticamente uma "denúncia" do que acontecia por debaixo das vistas grossas dos militantes. As passagens em que os marinheiros comentavam sobre o capitão e suas "escapadas" com os marujos mais novos é brilhante. O livro foi massacrado na época por diversos motivos, e engavetado pelo próprio autor, sendo relançado depois de sua morte prematura.

Mas mais que isso, a escrita é repleta de descrições apaixonadas pelos olhos de Amaro! Descrições das sensações (físicas e emocionais) que Aleixo lhe desperta, do que ele imagina fazer com o rapaz, do que ele faz sozinho pensando no garoto e do que ele já ouviu falar de outras pessoas fazendo. São cenas cheias de erotismo mesmo, mas de uma maneira tão elaborada que o leitor fica admirado em como Caminha conseguiu retratar algo ao mesmo tempo tão cru e tão metafórico - pelo menos eu fiquei.

No geral, a trama é bastante envolvente. A segunda metade do livro é melhor que a primeira, na minha opinião, mas também é a que mais me despertou sentimentos desconexos. Explico: ao mesmo tempo que eu gostava do que tava lendo, ficava me remoendo pra terminar porque já imaginava onde aquilo tudo ia chegar. O clímax acontece somente nas últimas páginas, o que faz o inevitável ficar se arrastando por, sei lá, dez capítulos (estou exagerando pra ser didática, viu?). Fora que boa parte dos personagens me irritava profundamente!! Dona Carolina e o próprio Aleixo, que pessoas irritantes! Não dá nem pra conter a raiva! Chega o fim e, por mais que minha razão diga que o comportamento de todos deva ser "condenado", eu só conseguia pensar num belo "bem feito!".

É um livro curtinho e, de certa forma, inspirador. Adolfo Caminha não teve sua obra apreciada na época, considerada densa e trágica, repleta de descrições de perversões e crimes. É um exemplo e um prato cheio pra quem acha que casais gays só existem em romances contemporâneos. Amaro e Aleixo estão aí há mais de um século pra provar o contrário.

O texto já é de domínio público, então vocês podem encontrar na biblioteca nacional pra baixar aqui. Apesar disso, continua sendo publicado em diversas e diversas capas. A que mais gostei é a do início dessa resenha, que descreve bem o ambiente da história.

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