26/06/2012

Os Desafios da Escrita - Aulas Online



Como já mostrei neste post, existem, espalhados pelo mundo, pessoas dispostas a ajudar nós, meros escritores mortais e não-famosos, a sair de fases difíceis e caminhar rumo ao sonhado sucesso - nem que seja o pessoal.



Tenho ultimamente procurado saber mais sobre tais cursos, oficinas, workshops e podcasts disponíveis por aí. Acabo encontrando bastante coisa interessante, mas muitas delas inacessíveis - os cursos de escrita criativa, por exemplo, têm em sua maioria uma grade curricular impressionante, mas ou são presenciais (e em Londres, ou NY), ou são muito caros se forem adquiridos pela internet. Um curso de escrita criativa da Universidade de Lisboa, que oferece módulos online, não sai por menos de R$800 para poucas semanas de estudo - fora outros empecilhos, como o material que não é enviado ao Brasil, por exemplo.

Mas existe salvação.

Acredito que, mesmo para escritores experientes - se é que isso existe, conhecimento nunca é demais. E aprimorá-lo, lapidá-lo e exercitá-lo o é muito menos.

Então, além dos exercícios dos "jogos de escrita" da Universidade de Warwick, encontrei por aí algumas dicas e aulas online de professores de cursos como aqueles que não temos acesso. Um desses professores é o português João de Mancelos: doutorado em Literatura Norte-Americana, lecionou 14 anos na Universidade Católica Portuguesa, é orientador de cursos de Escrita Criativa na Universidade de Aveiro e, claro, autor de diversas obras (aparentemente) populares nas terras portuguesas.

Em seu blog, João disponibilizou gratuitamente um mini-curso online de escrita criativa que nos leva, principalmente, a parar e pensar. Em sua maioria, as aulas nos pedem para refletir antes de agir e nos coloca diversas questões interessantes para serem discutidas com nós mesmos. Afinal, escrever também envolve estar em acordo com nossos próprios pensamentos. Se eles dizem o contrário do que você coloca no papel, algo está tremendamente errado.

Bom, as aulas (que na verdade são textos) estão em português - de Portugal, mas ainda assim em português. Possuem um sumário no início que polpa do trabalho de ler todo o conteúdo para saber se vai te interessar. Às vezes uma aula específica vai dar aquela luz no fim do túnel, ou um tópico, ou mesmo um texto motivacional.

Por estarem em português, não vou transcrevê-las aqui, já que podem ser acessadas na fonte original - e acho que o cara merece um pouquinho da nossa consideração e respeito em forma de visita ao site, já que disponibilizou pra todo mundo algo que a maioria vende. Caso algum dia as aulas saiam do ar, eu colocarei aqui o arquivo com seu conteúdo e os devidos créditos, claro.

Em suma, acredito que vale a pena dar uma olhada. As aulas são praticamente um resumo de (um dos) seu(s) livro(s) "Introdução à Escrita Criativa" e, como ele não está disponível no Brasil, já é um bom material para quem quer estudar e aprimorar um pouquinho mais sua própria escrita.

Achei a iniciativa muito bacana e, se por aqui tivéssemos mais gente com essas idéias, com certeza teríamos pessoas escrevendo melhor. Temos aqueles cursos de redação chatinhos, mas não temos muitos curso de escrita criativa ou ficcional. Fica a dica aí pras universidades e professores de plantão: curso de escrita já!


Por último, deixo o texto "motivacional" de autoria de Julia Bell, intitulado “Afinar a voz” e que se encontra na primeira aula do curso do João. Vale a pena ser lido.


"Tal como o desporto, a boa escrita depende da prática. Quanto mais exercício de aquecimento fizer, mais preparado estará. Mas como sobreviver a esse encontro inicial, frequentemente aterrorizador, com a página em branco e encontrar uma voz capaz de transmitir as suas ideias e pensamentos com eloquência e talento? Tem inúmeras ideias, mas pouca confiança na sua capacidade em expressá-las. E se não as conseguir transmitir? E se parecer infantil ou ingénuo? E se nem sequer conseguir? A página em branco parece escarnecer da sua falta de autoconfiança; aponta para as grandes obras do passado e diz-lhe “Não consegues fazer isso” ou “Para quê tentar? Já tudo foi dito”. As resmas de frases, as personagens, as ideias que inicialmente o atraíram até à página, definham até à morte. De súbito, todo o seu projeto parece inexequível e a sua vontade de escrever não passa disso.

A única forma de superar este problema é escrever. Garatuje qualquer coisa no papel, por mais rudimentar que lhe pareça. Principie com notas, fragmentos, meias frases, até que a gaguez pare e você dê por si a escrever frases inteiras, parágrafos, páginas. Frequentemente, o primeiro obstáculo reside na sua insegurança acerca do ato de escrever. E essa barreira pode levar algumas páginas até ser removida, tal como um carro velho com um depósito de gasolina sujo: os primeiros quilómetros constituem uma viagem trepidante de para e arranca. Prepare-se. Está a lidar com algo que não lhe é familiar, portanto, não espere produzir uma obra-prima à primeira tentativa. Comece por escrever acerca do que lanchou, a última chamada telefónica que fez, a cor dos olhos da pessoa amada, o seu CD favorito. Escolha um assunto e escreva sem parar ou corrigir-se, durante cinco minutos. Crie algumas páginas, o corpo do texto.

Depois, leia-o para si. Vai ser duro. O primeiro encontro com o seu próprio trabalho não difere de se ver a si mesmo na TV ou de escutar a sua voz gravada — Oh, não! Nunca pensei que tivesse aquele aspeto. E a minha voz é assim? Pode até sentir-se embaraçado e desapontado. Não pare. É um ritual de iniciação. Os bons locutores de rádio escutam a sua voz uma e outra vez para poderem controlar e melhorar o tom e a dicção. Da mesma forma, os bons escritores leem os seus trabalhos, em busca de frases que possam ser aperfeiçoadas, expandidas, cortadas. Só quando desenvolver a perceção da sua voz ficcional terá a confiança para se entregar e escrever uma história. No entanto, paradoxalmente, é apenas através da escrita que poderá descobrir essa voz”.


Bell, Julia. “Clearing your throat”. The Creative Writing Coursebook. Ed. Julia Bell, and Paul Magrs. London: Macmillan, 2001. 3-4. Excerto traduzido por João de Mancelos.

2 comentários :

  1. Oi, Lorena! Segui o link e não está mais disponível... Fiquei curiosa pra ter acesso aos textos/aula dele. Vc os tem?

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