04/06/2014

Review - Praia do Futuro


Diretor: Karim Aïnouz
Idioma: português e alemão
Gênero: drama, romance

Sinopse: 
Praia do Futuro, Ceará. Donato (Wagner Moura) trabalha como salva-vidas. Seu irmão caçula, Ayrton (Jesuita Barbosa), tem grande admiração por ele, devido à coragem demonstrada ao se atirar no mar para resgatar desconhecidos. Um deles é Konrad (Clemens Schick), um alemão de olhos azuis que muda por completo a vida de Donato após ser salvo por ele. É quando Ayrton, querendo reencontrar o irmão, parte em sua busca na fria Berlim.

O filme é de 2014.

O segundo maior lançamento do ano nos cinemas brasileiro (posso falar? Me deixem!)! Confesso que com toda a popularidade do Praia antes da sua estréia eu não queria vê-lo. Digo, queria, mas não estava tão animada. Não acompanhei muito as filmagens, mal soube do filme até o festival de Berlim (quando, na verdade, estava preocupada com Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, e não com ele). Então vieram as polêmicas que começaram em Berlim mesmo, as declarações do Wagner Moura antes da estreia oficial e o tanto de gente que eu conhecia que repentinamente ficou a fim de ver um filme gay só por causa dele... Ok, outra confissão: eu queria ver Praia do Futuro  por causa do Jeusíta (Barbosa). Fazer o quê? Depois veio o Clemens, o segundo incentivo, digamos. Vi o trailer numa sessão de HEQVS e não me interessei muito, mas resolvi dar uma chance. Afinal, eu tenho que dar créditos a essas produções! Eu, mais que todo mundo que incentiva, que fala pra todo mundo ir lá no cinema, pagar inteira e tal... Enfim. Fui ver, não me decepcionei porque não tinha muitas expectativas. E está aqui o que eu achei, sem "desvios de visão" (como foi com HEQVS).

Praia do Futuro é uma produção conjunta entre Brasil e Alemanha, com apoio do governo de Fortaleza (ou Recife? Agora fiquei na dúvida...) e de Berlim, tem como direto o experiente Karim e em seu elenco também trás diversos nomes conhecidos, principalmente a estrela do filme, o personagem principal. A produção é visivelmente mais bem elaborada que a maioria dos filmes "alternativos" e independentes, pois a ajuda financeira deve ter contado bastante. Além disso, a experiência dos atores ajudou a alavancar além do patrocínio evidente, uma boa dose de profissionalismo ao longa.

Como na sinopse, Praia conta a história de Donato, um salva-vidas nas praias de Fortaleza que já na primeira cena encara o maior do seus desafios até então: o fracasso. Donato acaba de perder um dos estrangeiros loucos que viajavam de moto para o mar e essa derrota meche mais com seu interior do que ele jamais pensou que pudesse acontecer. Donato então se compromete a dar a notícia ao amigo do afogado, um alemão, e se vê diante de outra situação inesperada: ele sente muito mais do que deveria. Culpa, dor, compaixão pelo cara que não tem nada no mundo a não ser a moto, uma muda de roupa e o amigo, que agora está morto. Esse cara é Konrad, um personagem desinibido e de expressão triste, que fala um português arranhado e pretendia voltar pra casa com o companheiro de aventuras assim que passassem por mais alguns pontos da América do Sul.

A entrada de Konrad na vida de Donato acontece de maneira abrupta e impensada, mas desperta nele questionamentos que já estavam presentes há muito dentro de seu ser. Antes de encontrá-lo, por exemplo, Donato já se perguntava por qual motivo ele ainda não havia deixado a praia, o lugar que cresceu e que viu crescer, apesar de já não significar mais nada para ele. Não é seu lar, ele só está lá para cuidar da mãe e do irmão mais novo, Ayrton. Konrad vem lhe mostrar que ele pode se ver livre tanto dos questionamentos quanto das responsabilidades.

Ayrton é o tripé do mundo do Donato. O garotinho que vê nele um de seus super-heróis dos quadrinhos, o homem em quem se espelhar, seu sonho na realidade. Ayrton o chama de Aquaman, nomeia Konrad de Motoqueiro Fantasma e ele mesmo é Speed Racer, todos heróis de uma fantasia que ele acha impossível de ser quebrada ou destruída. Afinal, super-heróis só trazem coisas boas, não é verdade?

Fiquei apaixonada pelas referências aos quadrinhos, mesmo que não sejam nada aprofundadas. Todas se encaixam tão e profundamente bem em todos os personagens!

O filme é dividido em três atos de passagem, cada um focado num momento da vida de Donato. São eles e podem conter spoilers:

Ato I:  O Abraço do Afogado, que conta a trama na própria Praia do Futuro até o momento em que Konrad tem de deixar o Brasil e voltar para Berlim com a notícia do amigo morto aos seus parentes. Para quem não sabe, é o local onde a vida dos personagens se cruza, uma praia em Fortaleza conhecida por sua periculosidade para banhistas. O ato gira em torno dos questionamentos de Donato e sobre sua própria noção do que é "ficar" e do que significa "ir" com ele, o alemão misterioso. O afogado do título e seu abraço dão ideia do que Donato precisa para se decidir.





Ato II: Um Herói Partido ao Meio. Já em Berlim, Donato está de férias e não consegue se decidir sobre o que fazer em relação ao seu futuro. Ele acompanha Konrad na descoberta de novos horizontes na "cidade sem praia", no frio, na neve, na diferença entre as pessoas e até no esporte (quando ele e Konrad estão na quadra assistindo, provavelmente, ao filho do amigo afogado jogar handball). Os questionamentos continuam, mas Donato agora sabe qual é o mais forte, já que está tudo ali dentro. Ele diz: "Isso aqui (aponta para o coração) e isso aqui (aponta para a cabeça) meu... não é você só não!"


 Ato III: Um Fantasma Que Fala Alemão. Para mim, o melhor dos atos, o finalmente, a conclusão de todos os questionamentos. Oito anos se passam e Ayrton vai em busca do irmão em Berlim, capturado pelo (Motoqueiro) Fantasma que só falava alemão.
Desculpem a tietagem, mas Jesuíta! Cenas brilhantes, atuação brilhante e diálogos bem construídos na forma dele. A cena do gesso me deu calafrios e me fez chorar num cantinho escuro da minha mente...

O final me surpreendeu um pouquinho por ter sido muito aberto. Tive que passar um tempo considerável para refletir sobre as palavras que Donato fala na cena de fechamento que, confesso, me deixou emocionada.

Antes de escrever essa resenha, li algo que me emocionou mais ainda e deu uma nova dimensão ao filme: as cartas e bilhetes nunca trocados entre os irmãos, Donato e Ayrton, durante aqueles oito anos que se passam entre os atos II e III. As cartas podem se encontradas nessa entrevista aqui e eu recomendo muito a leitura (na voz do Wagner e do Jesuíta, por favor).

Considerações gerais? Gostei, achei mais amplo do que eu realmente estava esperando pelo trailer. O terceiro ato, como falei, foi o meu favorito pois dá uma visão diferente da vida que não a do Donato, mas sim a do Ayrton. Existem diversas nuances no filme que te pegam desprevenidos, (como o fato de Ayrton dizer no começo do filme que não gosta da água da praia e, no fim, Donato lhe levar a um lugar onde a água recua totalmente durante o dia, uma praia sem água) algumas ligações que mostram o cuidado com o roteiro e o atar dos nós, mas a maior parte do filme é reflexiva, interna, com muita margem para interpretação, o que pode ser bom ou ruim dependendo do espectador. Os diálogos a meu ver não são o ponto forte da trama, mas quando eles aparecem tendem a mexer no ponto mais crucial de toda a história. Quando Ayrton está em Berlim e conhece Dakota, por exemplo, a cena dos dois na parede, o que ele diz pra ela pode ser bobagem nas vistas de quase todo mundo, mas quem se lembra da conversa que ele teve com Donato no bar, ou na casa dele horas antes? Há uma ligação surpreendente e a gente começa a ver como Ayrton sofreu e ainda sofre tentando entender o motivo, o maldito motivo por ter sido abandonado.

No dia que vi, fiquei levemente assustada com a rapidez com que os acontecimentos vão tomando forma. Como a praticamente invasão do Konrad na vida do Donato. Com mais tempo para pensar sobre o assunto, porém, eu entendi que a rapidez ficou só no meu ponto de vista, pois para Donato tudo o que aconteceu com Konrad já era pra ter acontecido em sua vida há séculos. Dá pra entender? Eu achei que fez sentido, pelo menos pra mim.

O longa é recheado de momentos de silêncio, de uma trilha sonora escolhida com cuidado e de closes nas expressões de todos os personagens, cada uma nos fazendo tremer por dentro. O que tenho a criticar de verdade é a falta de jeito do Clemens com o português! Há diversas partes no filme que eu fiquei me perguntando o que ele estava falando, já que consegui entender meia palavra. Clemens é alemão e em entrevista disse que só aprendeu o básico do português para vir gravar aqui. Ou seja, todas as suas falas foram praticamente memorizadas mesmo. Não sei se foi o cinema, o som que estava ruim, mas o barulho do fundo me atrapalhou demais na hora de entendê-lo! Outra coisa foi ver o Ayrton falando alemão fluentemente que, diz ele, aprendeu com os turistas da Praia do Futuro... Sério? Aprendeu aquele alemão  só com turistas?!

Enfim, a fotografia é maravilhosa. Berlim é linda através da câmera, as motos são lindas, a cena final na estrada, a cena do cartaz ali em cima, é de arrepiar com a narração de Donato de uma das cartas que ele deveria ter entregue a Ayrton quando resolveu deixá-lo sozinho.

Porque tem dois tipos de medo e de coragem, Speed... O meu é de quem finge que nada é perigoso. O seu é de quem sabe que tudo é perigoso nesse mar imenso. Mas mesmo assim continua correndo, correndo...”

Vejam Praia do Futuro nos cinemas. Vale muito a pena! Mas sim, tem sexo, muito sexo, e muita nudez, então se essa não é a sua praia, fique longe, por favor, e deixe a gente apreciar essa arte em alta definição.

Segue o trailer:

E segue a cena do segundo ato  que eu comentei, entre Donato e Konrad, quando o brasileiro se questiona abertamente sobre o que fazer dali pra frente:



Só pra fechar, de longe uma das cenas mais envolventes do longa:


Aperitivos!





Dakota e Ayrton em Berlim (menininha bonitinha e Jesuíta!)

E como de polêmica a gente também vive, fica a dica:
#HomofobiaNãoÉANossaPraia

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