13/12/2016

Review - A Private Gentleman

Aviso: contém heróis machucados, tendências bibliófilas, obsessão por orquídeas, um marquês bastardo e homens gays que têm finais felizes.


Título: A Private Gentleman
Autora: Heidi Cullinan
Editora: Samhain Publishing, Ltd.
Ano de publicação: 2012
Dolorosamente introvertido e quase mudo por causa da gagueira, Lord George Albert Westin quase não se aventura além dos clubes e de seu jardim. Quando ouve falar de uma nova espécie rara de orquídea, ele se dopa de ópio e vai à uma festa na esperança de vê-la. Ele encontra a orquídea, sim, mas também algo ainda mais raro: Michael Vallant. Sodomita profissional.

"Para selar sua ligação, eles devem quebrar o laços que a prendem".





Sendo gago, Lord Albert é considerado "quebrado", "inútil" e "descartável". De família tradicional da corte britânica, ele teve uma educação excepcional, mas nunca conseguiu atingir as expectativas dos pais por ter "problemas demais". Seu irmão mais velho tem a família perfeita - esposa, um filho prodígio que está sendo tutelado pelo próprio avô para tomar conta de suas riquezas no futuro - e Wes se sente cada vez mais deslocado com o passar dos anos. Afinal, ele é um solteirão que jamais será entendido pela sociedade em que vive: porque ser gay, sodomita, na Inglaterra do inicio do século XX é crime.

Mas Lord Albert é um dos mais respeitados botânico/orquidófilo vivos. Seu amor por plantas e seus trabalhos no campo lhe rendem respeito, apesar de ele se embrenhar em "ilegalidades" para conseguir o que quer - contrabandear espécies raras, por exemplo. E é assim que ele fica sabendo da orquídea nova. E é assim que ele conhece Michael Vallant, um prostituto ("sodomita profissional") que usa das festas da alta corte para angariar clientes para seu "cafetão", Rodger. Os dois acabam se envolvendo e descobrem, com o tempo, que estão mais conectados do que imaginam. Infelizmente.

Eu comecei a ler esse livro há muito tempo, como parte de uma pesquisa que estava fazendo sobre romances históricos com relacionamentos LGBTQs. A Heidi é conhecida por escrever romances gays com bastante conteúdo erótico e, numa conversa aleatória que tive com a autora no GoodReads, esse livro me despertou o interesse. Pois bem, demorei eras pra terminar por vários motivos, mas o principal deles é: a história é muito dolorosa. Muito. Mesmo. Muito sofrimento, dor, sabe? Tinha capítulo que eu me sentia sufocada pela leitura, assim como tinha capítulo que era muito amorzinho. E a dosagem foi boa, mas um tanto desproporcional: algumas páginas de amor seguidas de dezenas de páginas de sofrimento puro. E o tal conteúdo erótico, por incrível que pareça, não me incomodou tanto. Tem, sim, mas acho que na medida certa, nas situações certas - afinal, não esqueçamos que um dos personagens principais é um prostituto.

Todos os personagens da Heidi são muito bem construídos - o desenvolvimento deles é quase palpável, natural, no ritmo certo. O Michael é maravilhoso! Ele tem uma história gigantesca por detrás que justifica todas as suas ações. Filho de uma cortesã, ele tinha o sonho de estudar literatura, mas vários detalhes lhe impediram - entre eles, sua cegueira parcial. O grau de miopia de Michael é tão alto que ele enxerga quase nada sem os óculos que, por serem horríveis e grandes, ele quase não os usa. Sendo apaixonado por livros, suas cenas me foram pessoalmente atrativas por causa das referências literárias, as descrições do quarto que ele ocupa no bordel (cheio de tomos nas paredes) e como a vida fez com que ele, mesmo sofrendo, encontrasse conforto nas páginas dos romances. As cenas que acontecem em Oxford me derreteram completamente!

E temos Wes - o Lord Albert -, que também carrega sua grande parcela do sofrimento, boa parte causada pela própria família. Wes encontra no ópio, a droga "do momento", uma maneira de escapar da sua realidade triste e da sua gagueira, que é o ponto principal de suas aflições. É extremamente prazeroso ver a evolução do Michael: do trauma da adolescência à fortaleza que ele se torna no fim, enfrentando seus medos de frente. E do Wes: do aristocrata medroso ao homem íntegro e quase curado graças à persistência e ao amor que sente por Michael.

O livro, porém, traz temas bastante pesados, como abuso infantil, estupro e violência (física, verbal e mental). Não é uma leitura leve, como já disse, e não recomendo se esses assuntos lhe trazem desconforto - eu fiquei particularmente chocada com as "reviravoltas" (se é que posso chamar assim) dos últimos 10% da história e, de novo, incluem aí aquela dose de sofrimento que, às vezes, vou confessar, achava desnecessário. Gente, todo mundo sofre muito nesse livro. É impressionante! Mais ainda porque, recentemente, a Heidi comentou que ele foi baseado em fatos reais. O motor principal da trama (que eu não vou dizer por causa de spoilers) foi real, aconteceu com ela própria (se eu não entendi errado) - e isso me deixou mais chocada ainda.

O final é maravilhoso! Amarradinho com a primeira cena do livro! Fiquei apaixonada pela excelência na criação da trama toda, a Heidi merece aplausos! Não é algo historicamente preciso - não sei muito sobre a Inglaterra do período, mas muitos que leram mencionaram esse fato, o que classificaria o livro como "fantasia-histórica". Se é ou não preciso, eu adorei a ambientação, o uso da linguagem local (que não é nada fácil, vale acrescentar) e a pesquisa que a autora deve ter feito pra montar tudo isso junto. Ao fim, há uma lição sobre sofrimento e vida que bateu lá no fundo e me fez chorar horrores, sabe?

Leitura mais que recomendada. Aviso que o nível do inglês é bastante difícil, porém.
E que essa capa é horrorosa, mas fazer o que, né?

Fanartzinho porco que fiz na época que lia.
"We all have pain, Wes. It isn't life without it. What matters in life isn't that we escape pain. What matters is that we overcome it."

(Nós todos temos dor, Wes. Não é vida sem ela. O que importa na vida não é escaparmos da dor. O que importa é que nós a superamos.)

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