31/01/2018

Review - Teeth

Primeira resenha do ano de um livro de fantasia um pouco polêmico, digamos.



Título: Teeth
Autora: Hannah Moskowitz
Idioma: inglês (original), sem tradução nacional ainda
Ano de Publicação e Editora: 2013
Tenha cuidado com o que acredita.
A vida de Rudy é virada de cabeça pra baixo quando sua família se muda para uma ilha remota como último recurso de salvar a vida de seu irmão menor doente. Com nada pra fazer, a não ser se preocupar, Rudy mergulha na solidão e fica acordado à noite escutando os gritos do oceano abaixo da sua nova frágil casa no penhasco.

E então ele conhece Diana, que faz com que ele se pergunte se ele sabe mesmo algo sobre amor, e Teeth, que o faz se questionar sobre tudo e qualquer coisa. Rudy não consegue se lembrar da última vez que se sentiu tão conectado a alguém, mas ser amigo de Teeth é mais que complicado. Ele logo descobre que Teeth tem segredos terríveis. Segredos violentos. Segredos que vão fazer Rudy escolher entre sua própria felicidade e a vida de seu irmão mais novo.

Essa resenha terá um tico de spoilers porque é impossível falar do Teeth sem falar... bem, dele.E ele já é um spoiler do próprio livro, acredite se quiser. Mas vou mandar tudo bem light pra não estragar surpresas, porque, olha, esse livro tem muitas surpresas. Também quero começar dizendo que eu tava com ele há pelo menos uns dois anos (sério) e sempre começava e parava, porque os primeiros 7 capítulos são horrososamente arrastados - na verdade, até a ambientação estar completa, tudo é bem morno e acinzentado.
O clima do livro inteiro é acinzentado, sombrio, então já se nota que não é uma leitura felizinha, né? A começar pela própria capa (que não poderia ser mais conectada ao enredo, sério) e pela motivação da trama: Rudy tem 16 (17? não me lembro) anos e teve que largar tudo porque sua família descobriu que um peixe, nascido e criado numa ilha deserta bem longe na sua casa, é o único remédio que pode retardar a doença do seu irmão mais novo, Dylan, de apenas cinco anos. Dylan tem uma doença pulmonar (fibrose cística) que faz com que os pulmões se infeccionem e se contraiam até que seja impossível respirar, fechando as vias aéreas, e é incurável pela medicina. Mas a família fica sabendo to tal peixe (sim, uma espécie de peixe) que consegue curar, ou pelo menos retardar, todo o processo de qualquer doença. Só que essa espécie só é encontrada em uma ilha muito distante, muito fria e quase deserta - a comunidade que vive por lá é composta basicamente de gente doente que se assentou lá e tem medo de sair e ficar sem o peixe e morrer. O que os pais de Rudy decidem fazer sem pensar duas vezes? Largar literalmente tudo e se mudar pra ilha também.

A família de Rudy (e ele próprio) vivem em função do irmão menor, que às vezes melhora, outras piora. Desde o início da ingestão dos peixes, é notável que Dylan passa por um "milagre", e eles decidem fazer de tudo para mantê-lo vivo pelo tempo que puderem, gastando fortunas num único peixe, cujo comércio é controlado por apenas três pescadores mercenários e sem escrúpulos.
Não há nenhum outro adolescente na ilha, pelo menos não que ele saiba, e Rudy começa a se sentir sem esperança de vida, porque a dele próprio está atrelada à do irmão: ele sabe que Dylan nunca vai se curar de fato, então o que lhe resta? Ficar na ilha até o irmão morrer? Sem futuro? Vendo todos os seus planos indo quase que literalmente por água abaixo (faculdade, família, amigos, etc)?

A ambientação desse romance é, de início, muito arrastada, mas a gente percebe que o trabalho foi bem feito depois: eu conseguia me imaginar na ilha, enxergá-la, sentir o frio congelante, a água da marina, as docas, o cheiro de peixe e do desespero que paira no ar por causa dos moradores. Eu sentia todas as emoções do Rudy como se fossem as minhas e é uma negócio de louco porque, apesar do livro ser contado em primeiro pessoa por ele mesmo, dá pra saber exatamente como os outros personagens estão se sentindo também. E é uma angústia enorme em 99% do tempo.
Esse livro é de partir corações em níveis que eu não estava preparada. Rudy descobre que há outra adolescente na ilha, Diana, e que sua família guarda um segredo terrível. Mas a maior descoberta dele é o próprio Teeth, e atenção para spoilers: um "sereio", metade menino, metade peixe. Ele o apelida de "fishboy" (garoto-peixe) e é o único (além da "curandeira" do local) que sabe de sua existência. Rudy é o único que escuta seus gritos à noite, seu choro, e vê sua calda na água congelante.

A história do Teeth é daquelas de te dilacerar por dentro, e a gente só consegue descobri-la do meio pro final mesmo, então o mistério se mantém vivo durante toda a história, praticamente. Eu fiquei sinceramente chocada e muito sensível com ele; é o tipo de personagem que dá vontade de cuidar e de dizer que tudo vai ficar bem, mesmo você sabendo que não tem como ficar bem, sabe?? Spoiler de leve: Teeth é um garoto, então ele não consegue respirar debaixo d'água, mas ele tem uma calda de peixe, então ele não consegue andar, portanto não é humano. A angústia dele não saber a que lugar ele pertence (entre os humanos ou entre os peixes) é muito palpável e cruel. Muito cruel. E Teeth enxerga em Rudy (e vice versa) algo que nunca tinha visto em humanos (ou em peixes): amor, companheirismo, honestidade. Eles se enganam a todo tempo dizendo que são "melhores amigos", mas Rudy acaba confessando pra si mesmo que Teeth é algo muito além disso, até difícil de nomear.

Os personagens são muito críveis; Diana é uma incógnita estranha, mas os pais de Rudy, suas ações faz com que sejam muito verídicos. Até Dylan, um menininho doente, é retratado pelos olhos de Rudy de maneira muito convincente e real. O resto dos personagens (todos bem terciários) também completam o ar sombrio da ilha e da história.

Aliás, aviso: definitivamente não é uma trama leve. Há diversas passagens bastante pesadas que falam de estupro e abuso da maneira mais cruel possível. Às vezes eu parava de ler pra ver se não estava entendendo errado, porque muita da crueldade que Teeth sofre está nas entrelinhas. Eu me sentia sufocada com ele que, pela falta de articulação com as palavras, nem conseguia descrever bem o que lhe acontecia e isso só piorava a situação agoniante. Quando Rudy aparece, ele enxerga aquela luz no fim do túnel que acaba salvando ambos, por assim dizer. E Rudy também transmite de forma muito clara as suas angústias (que são infinitas).

Há uma reviravolta próximo ao encerramento que é de tirar o fôlego e, claro, se você ainda tiver coração, é hora de enterrá-lo de vez. Percebi que muita gente criticou o final, mas eu achei bem condizente. Abrupto sim, mas condizente com a história toda. Só ficou aquele vazio existencial e várias perguntas que não serão respondidas, infelizmente.

Esse livro traz diversos questionamentos polêmicos. Vou citar alguns, que peguei emprestado de uma resenha do goodreads, mas que foram me passando pela cabeça o tempo todo durante a leitura:

• Responsabilidades. Como ser livre? Será que nós podemos, mesmo?
• Diferenças de percepção de mundo e a busca pelo "nosso lugar". Pra quê, afinal de contas? Só para morrer "em paz"?
• Família e doenças: estamos prontos pra salvar aqueles que amamos a todo custo mesmo? O que você faria pela sua família? Até que ponto iria?
• Pensamento ético: o que faz os seres humanos serem "mais merecedores" de viver do que os outros seres do planeta? Será que merecemos mesmo?

Por fim, acho que posso resumir assim: esse livro é esquisito, não tem uma lógica concisa, sabe? Tem umas coisas fora da lógica "natural", mas é uma trama que te faz questionar até o que é natural. É uma história bizarra e bastante pesada, mas bem interessante de se envolver. Se você é sensível a temas como estupro, mutilação, violência física e morte, porém, não leia. Sério.

Eu adorei, mas também não gostei. Amei, mas depois odiei. Sentimentos, pra quê, né?
acho que essa imagem resume tudo.

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