11/04/2014

Review - Hoje Eu Quero Voltar Sozinho




Diretor: Daniel Ribeiro
Idioma: português
Gênero: drama, romance

Sinopse: Leonardo é um adolescente cego que, como qualquer adolescente, está em busca de seu lugar. Desejando ser mais independente, precisa lidar com suas limitações e a superproteção de sua mãe. Para decepção de sua inseparável melhor amiga, Giovana, ele planeja libertar-se de seu cotidiano fazendo uma viagem de intercâmbio. Porém a chegada de Gabriel, um novo aluno na escola, desperta sentimentos até então desconhecidos em Leonardo, fazendo-o redescobrir sua maneira de ver o mundo novo para a vida dele.



A trama dessa pequena joia nacional já deve ser conhecida de muita gente, mas não custa relembrar. O longa foi baseado no curta-metragem do mesmo diretor, Daniel Ribeiro, lançado em 2010, chamado "Eu Não Quero Voltar Sozinho". Fiz uma mini-resenha sobre o mesmo em meados de 2011 aqui e que hoje não chega nem aos pés do meu afeto por tudo o que gira em torno dessas produções - o curta e o longa.

Vemos a história de Leonardo, um garoto cego que enfrenta problemas como qualquer outro adolescente cercado de expectativas e sonhos (muitas vezes frustrados). Ele conta com a companhia quase inseparável da melhor amiga Giovana e a entrada de um novo garoto no colégio, Gabriel, faz com que muitos de seus planos e sua própria realidade seja transformada.

O longa teve seu nome alterado para condizer com a proposta do Daniel e confesso que, na época, até tremi de nervosismo por pensar que a trama tão linda se "desmancharia" no longa. Então pensei que fosse me decepcionar? Sim, quando mudaram o nome, quando vários assuntos que giraram em torno desse filme ao longo desses meses angustiantes antes da estreia vieram à tona - principalmente no que diz respeito à distribuição, à exibição e aos "gritos" levantados por algumas correntes de "fãs"... Mas larguei tudo isso pra trás e aí, no fim das contas houve qualquer decepção? NÃO, pelo contrário. Saí da sala do cinema com a sensação de "dever cumprido", sabe? Mesmo que eu não tenha dever nenhum a cumprir pelo simples fato de o filme ser AINDA MELHOR que a "prévia" de 2010.

Os atores são os mesmos do curta e, logicamente, aqui contamos com outros que complementam as cenas. Leonardo, interpretado pelo Ghilherme Lobo, é o foco da trama e nós conseguimos ter uma ideia de todo o mundo ao redor dele através de seus olhos - de sua visão, por mais irônico que isso possa parecer, já que ele é cego. Por causa disso, detalhes que ocorrem fora do "campo visão" do Leo são deixados de lado enquanto ele não fica ciente deles. E nós temos que enxergar os outros personagens - principalmente o Gabriel - através dos olhos do Leo. Esse ponto me deixou levemente irritada, já que poderíamos ter tido uma amplitude maior das cenas, dos conflitos, mas acho que o propósito era justamente esse: o de deixar a interpretação e a imaginação por conta de cada espectador. Uma das únicas cenas em que isso não ocorre é justamente a que resolve um pequeno conflito entre o Gabriel e a Giovana, a cena do banheiro, e a cena anterior na festa, quando eles estão sentados conversando. Fora isso, tudo é focado no Leo.

A narrativa do longa é lenta, mas me fez compará-la a um conto escrito. É deliciosa, cheia de pequenas nuances e entrelinhas que nos fazem refletir! Por ser justamente lenta, não é nem um pouco forçada ou não-natural, é muito bem preenchida e calculada, diferente dos poucos minutos do curta que nos jogam praticamente a história toda. É como se pudéssemos ver e apreciar a vida e todo o seu cenário, e não só sua superficialidade, seus fins. São as causas e os efeitos (nesse sentido, um comparativo direto entre o longa e o curta).

Como nem tudo é perfeito, senti falta de um desenvolvimento maior no personagem do Gabriel. Tudo o que parece acontecer com ele, seus próprios conflitos e ideias, não nos é detalhado. De novo, talvez por ser uma visão do Leonardo. No curta meu personagem favorito é ele. O Fábio (Audi) é a pessoa perfeita para o papel em ambos, mas sinto uma diferença nos personagens dos dois e não sei constatar se é boa ou ruim. No longa minha personagem favorita acabou sendo justamente a que eu menos me identifiquei anteriormente: a Giovana. Ela também deixa muitas pontas abertas à interpretação no filme, mas a atuação da Tess (Amorim) evoluiu tanto, mas tanto que ela conquistou todo mundo mesmo com toda a implicância que a Gi tem. Ela me lembra muito eu mesma na minha adolescência, mas muito mesmo e achei que a exposição maior da personagem me fez enxergá-la com outro ponto de vista. Super aprovado!

Ao contrário do que a maioria das resenhas e dos comentários vem apontando, e ao contrário do que o próprio curta original buscou mais nitidamente, eu não colocaria a "homossexualidade do Leonardo" como o ponto central e chave no longa. Boa parte da primeira metade é focada na busca de sua liberdade, coisa que todo adolescente almeja, obviamente, mas que para ele tem um significado maior. Afinal, tendo as limitações que ele tem, Leo é tratado de maneira diferente do que ele gostaria - na escola, na rua, em casa... E tudo o que ele quer é ser tratado com igualdade. E não é isso o que todo mundo busca? Quantas vezes alguém já não foi proibido - ou pelo menos tolhido ou recomendado - de fazer algo só porque tinha alguma limitação? Porque era o mais baixo/a, ou o mais novo/a, negro/a, branco/a... No caso do Leo, por que ele tem de ser tratado tão diferentemente por ser cego? A questão de ser gay não é nem o principal aqui - e o que é ser gay para o Leo, já que para ele todo mundo deveria ser igual?

Confesso que as cenas com a família dele foram muito angustiantes pra mim. Eu ficava a todo momento me esperneando cada vez que a mãe dele abria a boca. Como o próprio Leo diz numa das cenas, por que as pessoas não podem simplesmente enxergar o que há de igual em vez de ressaltar o que há de diferente? Muitos grandes conflitos se resolveriam assim e essa fala (não é exatamente assim, mas tem essa essência) não vai me impedir de fazer uma comparação que só eu mesma poderia fazer: lá em meados de 1998 um filme direcionado às crianças e pré-adolescentes embutia a mesma mensagem. Em Pokémon - O Filme (Mewtwo Contra-Ataca) a grande e emocionante lição que tiramos é que o que importa não são as diferenças entre nós, e sim, as semelhanças que nos unem.

E eu acho que é essa a ideia que devemos tirar de "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho". Daniel não pecou na ousadia de não retratar a homossexualidade dos meninos como ponto chave - ou mesmo de não explorá-la com mais afinco, por que eu acho que isso, no fim das contas, não importa. É tudo uma questão de sentimento e isso é muito bem evidenciado tanto no curta quanto no longa. Por mais que sejamos todos diferentes, é isso que nos une. Nas palavras do próprio Daniel Ribeiro durante uma entrevista, o filme "desperta o que é positivo nas pessoas" e é isso o que deveríamos enxergar em comum.

Nem o bullying retratado tão suavemente em comparação com o que a gente vê na realidade tira essa magia do longa. Ele estava lá para dizer que, sim, há pedras no caminho, mas nós podemos superá-las se olharmos pelo outro lado.

Outra coisa que me chamou atenção foi a metáfora da lua, do sol e da terra, que já tinha visto em Eternal Summer, mas com pontuações diferentes. Um ponto merecido no resgate da suavidade da trama e que conferiu ao filme um ar ainda mais lúdico e "de história escrita", como comentei.





Enfim. A delicadeza de "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho" é tão comovente que me deixou nas nuvens o dia inteiro depois de assistir. A trilha sonora é um charme à parte. Me emocionei muito e ainda me emociono escrevendo essa resenha enorme! Nenhum desapontamento, nenhuma decepção. Muito feliz. E orgulhosa também, por que não? Faço questão de enfrentar fila (sim! No meios a tarde, debaixo de chuva, ontem tinha fila!) de novo, de prestigiar quantas vezes eu puder. Já estou com ingresso comprado para minha segunda sessão!

O final relembra e, mais importante que isso, resgata o curta, fechando com um toque de maestria impressionante. Desde Café com Leite, posso afirmar com toda a certeza: sou sua fã, mais uma vez, Daniel. Parabéns e sucesso!


ps.: posso morar dentro desse filme? Assim, só perguntando. Vai que tem a opção!

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