23/07/2015

Review - Entre Garotos


Título: Entre Garotos
Autor: Pablo Torrens
Idioma: português
Ano de Publicação e Editora: 2015, cadmO

Sinopse: Convocado para servir em uma missão de dois anos na Igreja dos Santos dos Últimos Dias nos EUA e abdicar de seus afazeres pessoais, o jovem mórmon Elder está convicto que deverá cumprir o chamado missionário e dar sequência aos anseios de sua família. Porém, ao conhecer o novo vizinho, vê despertar dentro de si sensações incógnitas que o deixarão cada vez mais interessado por ele, levando-o a experimentar um mundo diverso e esconder a realidade de pessoas próximas. É quando a relação entre os dois fica mais intensa e Elder passa a ter dificuldade de lidar com a nova vida, colocando-o em dúvida sobre a missão.


Como a sinopse já diz praticamente tudo (mesmo), nós acompanhamos as angústias e medos de Elder, um garoto de 18 anos que passou sua vida praticamente toda preocupado em fazer exatamente o que seus pais desejam - e o que seu pai mais quer é que ele vá para uma missão nos EUA. Elder foi preparado para isso desde sempre, é frequentador assíduo da igreja e, aparentemente, nunca questionou o futuro que escolheram pra ele... Até que a última "etapa" de aprovação na missão acontece e ele cai na real que vai mesmo seguir os passos que seu pai planejou.

As angústias do Elder são bastante normais para qualquer adolescente: ele não sabe o que fazer do futuro, não sabe se está agindo certo e não sabe se o que diz é realmente o que quer. Por estar mergulhado na religião e pelas pressões familiares, esses questionamentos acabam se tornando pesadelos ainda maiores. Sua família é um pano de fundo agoniante, a falta que sua irmã faz e o fato de ela ter sido praticamente "deserdada" por ter se divorciado deixa o garoto sem chão.

Daí temos a chegada inesperada de um novo vizinho: Rodrigo. Simpático, falante, com trejeitos de malandro... E que deixa as vontades de Elder à flor da pele. Juntando-se a ele, também reaparece em sua vida uma garota da igreja, Bruna, que havia se mudado há um tempo e retorna com a família - e,  com ela, a esperança dos pais de ambos de vê-los juntos.

Não dá pra ficar falando muito do enredo sem entregar spoilers; o livro é super curtinho, li em apenas um dia! Os capítulos são bem pequenos e bem divididos, o que me agradou imensamente - sou do tipo que fica contando quantas páginas faltam pra acabar o capítulo, pra ver se vou conseguir ler mais um, por exemplo.

O pano religioso, confesso, me dava nos nervos, o que me fazia ter raiva tanto do próprio Elder e seus questionamentos, quanto da maioria dos outros personagens! Posso dizer que o único que realmente me agradou foi o Rodrigo: ele é espontâneo e consegue carregar e passar o ar da juventude que existe na trama. Afinal, são todos jovens, mas o Elder me parecia muitas vezes forçosamente maduro, até no jeito de falar, seus pensamentos... Não sei se foi proposital, mas mesmo criado do modo como foi, acredito que pelo menos em algum momento ele deveria "agir mais de acordo com a idade".

O enredo tem o ritmo certo, mas um segundo fator que me deixou nervosa foi perceber que o autor sofre daquele pecado mortal de querer transpor tudo o que tá na cabeça pro papel. Deixa eu explicar: quando a gente escreve, lógico que a cena toda se materializa na cabeça, os movimentos, as falas, a cor das coisas... Enfim. Só que, às vezes, não precisamos passar tim-tim por tim-tim do que imaginamos pra fazer a cena andar e evoluir, sabe? Vou dar um exemplo: "Abri os olhos, cocei o nariz, virei de lado, me sentei na cama, coloquei o chinelo, levantei. Abri a porta do quarto, andei pelo corredor, entrei no banheiro e fechei a porta atrás de mim. Abri a torneira, peguei a água e passei no rosto. Me olhei no espelho e vi olheiras"... Tudo minuciosamente explícito e sem necessidade alguma. Eu me pegava várias vezes me perguntando se todas aquelas ações descritas teriam algo a acrescentar à história e, no fim, poucas tiveram. Quando um capítulo acabava eu pensava: "certo, agora vamos para outra cena!" e quando começava o outro, a cena partia exatamente de onde tinha terminado o anterior! Acho que isso poderia ter sido muito melhor trabalhado pra dar mais agilidade no enredo e poder encaixar mais coisas na trama... E daí vem o terceiro fator que me chateou.

Há poucos personagens no livro, mas todos eles são de importância singela e foram razoavelmente bem trabalhados. As meninas, Ana e Bruna, foram devidamente incorporadas à história do Elder, o primo dele, o Rodrigo (apesar de pouco trabalhado, foi encaixado na visão do protagonista, já que o livro é em primeira pessoa), os pais, o pessoal da igreja... tudo ok. A exceção de uma personagem que poderia ter feito toda a diferença no clímax: Jaqueline. Gente, era o ponto chave da história (pelo menos pra mim) e foi totalmente ignorado! Ouvimos falar dela desde o surgimento do Rodrigo, mas nada nos foi dito até sua repentina aparição dez páginas antes do fim do livro. E foi uma pequena bomba cuja explosão ficamos sem saber se realmente aconteceu ou não. Esse fato, essa personagem e tudo o que poderia ter vindo dela me deixaram extremamente chateada quando percebi que nada ia ser explorado. Tudo é deixado nas entrelinhas e nas especulações, e, mesmo gostando de imaginar, não achei que foi feliz nesse caso em específico.

O final também não deixou a história com "cara de final". Eu colocaria (e escreveria), sem pestanejar, mais umas 100 páginas ali. Tá certo que para o próprio Elder o que ele mais queria, que era ser amado pelo que era, e talvez a gente deva ficar feliz por ele, mas mesmo assim... Fiquei meio decepcionadinha, não vou mentir.

A trama toda me lembrou muito um filme que até já resenhei aqui (há muito, muito tempo) e que se chama "Latter Days", lançado no Brasil com o nome de "Louvado Seja". O filme também conta as experiências de um jovem mórmon que se muda, em missão, para um condomínio nos EUA e se apaixona pelo vizinho. Há uma cena no aeroporto parecidíssima com a descrita em "Entre Garotos"... aliás, há muitas coincidências e quem gostou do livro, acho que gostará do filme e vice-versa -confesso que as mesmas coisas que eu não gostei no filme, também me desanimaram na leitura aqui. Vou deixar o trailer, caso alguém queira ver:



De toda forma, o Pablo conseguiu prender minha atenção e expectativa, mas acho que eu mesma estava esperando coisas demais pra poder ter minhas "esperanças" supridas. Algumas vezes a formalidade demasiada dos diálogos e do pensamento do Elder me travavam, e encontrei alguns erros que passaram batido pela revisão, mas nada que atrapalhasse (muito) a leitura. A capa foi uma das coisas que eu mais gostei, a ilustração é maravilhosa! Muita gente elogiou e com toda a razão.

Como eu não deixo de reforçar, é sempre bom ter livros que mostram a diversidade, nesse caso até diversidade religiosa. Quem não conhece a cultura mórmon vai se surpreender um pouco, e eu acho que se trata muito mais disso, da aceitação do próprio Elder e da igreja, do que suas "descobertas". Não gosto e nunca gostei de categorizar os livros, de taxá-los, etc., e principalmente nesse caso não quero incutir nele a ideia de "literatura LGBT" (como vi sendo utilizado por aí) porque não é isso. Há romance, sim, mas ele é tão natural que o ponto central nem é esse, e sim as angústias que se descobrir atraído por alguém (do mesmo sexo ou não) trazem para a vida do Elder e seu caminho até então definido.


Um comentário :

  1. Oi, tudo bem?

    Trabalho com a literatura LGBT e gostei de saber sobre esse livro. A capa super me chamou a atenção, porque é muito amor <3 A trama também me lembrou esse filme do qual falou (nunca vi, mas já li muito sobre ele). É mesmo decepcionante quando temos expectativas e o livro acaba do nada, deixando a gente no ar. Talvez o planejamento da história não tenha sido bem trabalhado e, por isso, afetou o enrendo. Confesso que fiquei com vontade de ler, apesar dos pontos negativos. Nunca li livros sobre dois garotos, apenas sobre duas meninas/mulheres, e quero conhecer mais esse "outro lado" não somente como leitora como escritora. Adorei sua resenha, muito bem explicada e coerente :) Amei seu blog, também <3

    Love, Nina.
    http://ninaeuma.blogspot.com/

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